
Quando eu tinha 17 anos me deu o estalo. Porque é que eu tenho que acreditar em tudo que me disseram durante a minha longa vida? Era longa sim, eu tinha 17 anos. Quem disse que se eu fosse boazinha ganharia o céu e se eu fosse má, o inferno? A minha avó. E eu acreditei em tudo. Acreditei até que eu devia ser educada com as visitas, dizer bom dia no elevador para qualquer pessoa, vestir as saias um pouquinho só acima dos joelhos, usar sutian, que vermelho e verde não combinavam, que Deus existia para cuidar de mim, e o diabo para me tentar com tudo o que era bom. Acreditei em tudo, como todo mundo. Odiava a Tia Estela porque a minha avó tinha me contado casos horripilantes de sua vida.
Foi aí que comecei a duvidar de tudo. E tentei ver o avesso das coisas. O mais importante foi a sensação de liberdade. Posso amar ou odiar quem quer que seja, até mesmo a minha avó. Porque teria que amar a minha mãe ou meu pai se não tivesse motivos para isto? O fato acidental de terem me gerado lhes dava a condição de deuses a quem eu não poderia sequer responder mal? Não queimei o sutian, mas deixei de usar, mesmo porque eu nunca tive nada para colocar dentro daqueles sacos esquisitos. Minhas saias passaram a ter menos de dois palmos o que deixou a minha avó com olheiras de tantas noites sem dormir. O tamanho da minha saia era muito mais importante do que o que ia debaixo dos meus cabelos despenteados. Tia Estela, descobri a tempo, era uma mulher doce e amável. É claro que eu tinha acabado de ler Memórias de Uma Moça BemComportada, mas não vem ao caso. Certo é que ali eu comecei a construir a minha própria história, os meus valores , que aliás na época era só um: o que eu quero e o que eu não quero. Certo também que na época eu não poderia saber que qualquer adolescente normal chega a este estágio niilista. E depois volta ao normal. O problema foi que eu não voltei. Fiquei ali com todo o arsenal de dúvidas e algumas certezas. Mas como eu odiava a minha avó! Com que alegria eu sentia o avesso do que deveria!
Hoje, me deu um outro estalo. E tudo que eu mesmo construí de lá até aqui? O que está carimbado na minha cabeça como certo e inevitável não foi de uma forma ou de outra me ensinado, agora não pela minha avó, mas pela vida que me impus? Tem alguma coisa de ranço nos meus hábitos, na minha maneira de ver a vida e os outros. E se, sem aquele furor adolescente, jogar pelo ralo pensamentos e idéias concretas que arquivei sobre mim mesma? Como por exemplo, eu tenho uma solidão impregnada na minha pele como um gen, inevitável? Quem me convenceu disto? Não poderia trocar isto por: eu sou uma pessoa socialmente adequada? E me convencer disto? Ou, eu tenho pavor de envelhecer, por: eu acho envelhecer a coisa mais fantástica do mundo? Porque não? Se me convenci do contrário, posso me convencer do avesso. Não tenho provas evidentes de nada, nunca tive, portanto é só uma questão mudar a direção. Difícil? Talvez, mas vale a pena tentar. Mesmo porque é divertido. E brincar é a única coisa que levo a sério na vida.
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