segunda-feira, agosto 02, 2004

H. L. MENCKEN E O MEU AMIGO G.


Trabalhava numa agência de propaganda quando conheci um garoto de 20 anos. Foi colocado numa sala perto da minha, pelo dono da agência que, contra todos os seus desejos, era seu cunhado. Ficamos amigos. Fazia o segundo ano de medicina, desistiu, fez vestibular para Direito, passou, e hoje é Juiz, suponho, porque nunca mais ouvi falar dele. A nossa ultima conversa foi por telefone, ele sentado no vaso do banheiro, enquanto me contava com detalhes o júri dos meninos da cidade Universitária de Viçosa, MG. Os garotos mataram um professor universitário, homossexual. Eram quatro meninos de classe média alta, com um advogado de defesa dos mais caros do país, e G., recém formado, acusava. E conseguiu condenar os garotos, acreditem. Me disse, sentado no vaso, que faria concurso para juiz, pelo que pude ouvir, junto com o barulho da descarga. Era uma mente rara. Com a saudade dele, guardo um livro que me deu de presente: “O livro dos Insultos ‘ de H. l. Mencken�, com aquela solenidade dos meninos:

-Tenho certeza de que vai gostar.

Gostei. Gostei tanto que passamos algumas noites no boteco ao lado da agência falando de Mencken e seus insultos. G., nos seus vinte anos, era incapaz de ver em Mencken senão o monstro erudito, brilhante, irreverente e colocava-o no altar dos seus deuses.

-Brilhante, sim, G., mas um neurótico, um maluco que gostava de desafiar e se divertia com isso. Vai ver a mãe dele obrigou-o a comer cebolas quando criança.

G. não se irritava com a minha natural inquisição, aquela que colocava na fogueira todos as suas certezas. Ele tinha vinte anos. Eu não. Era o que nos separava e nos unia. Ele vinha com o fogo e eu com a água. Não apagava o incêndio, mas transformava, às vezes, em brasas, o que era menos trágico.
- Mencken jogava com as idéias e de todas as suas certezas – e isso é o que mais me incomoda – a única que lhe deu cordas foi a estupidez humana. Essa era a peça chave do seu jogo. A que ele nunca perderia. Um mal - humorado brilhante.
- E era americano, é o que me espanta.
- Mas filho de alemão, é a diferença.

Tá. Não se incomodem com o preconceito evidente. De alguma forma, Mencken já nos influenciou .Nos perdemos de vista, G e eu. Mencken ficou na estante, estico o braço e pego. G. eu não sei onde se meteu e estranho que nunca mais tenha ouvido falar dele. Não posso imagina-lo na vala da mediocridade. Um menino tão brilhante. Vai ver a mãe dele obrigou-o a comer cebolas quando criança. Acontece. Uns se transformam em Mencken, outros não têm forças suficientes para romper a falsa malha do talento e ficam, estagnados, tentando a normalidade. E G. nem mesmo é americano.

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