quinta-feira, julho 29, 2004

ORGULHO OU SEI L� O QUÊ.


Tive uma fase estranha, por  volta dos meus 5 anos. Menos de cinco, se fizer as contas, porque eu ainda morava com a minha mãe. Quando me sentia contrariada, não rolava no chão. Fazia xixi pernas abaixo. Estivesse onde estivesse. Gosto de pensar que tinha controle sobre isto e que fazer xixi era uma atitude de represália. Não sei ao certo. Parece que na verdade não tinha controle. Me lembro vagamente do constrangimento da minha mãe, da minha raiva e da vergonha.

Aí chegou uma senhora e sua filha da minha idade. Eu, escondida atrás das saias da minha mãe, olhava aqueles cachos rigorosamente arrumados, morrendo de inveja. Descalça, suja de quintal, cabelos escorridos, eu olhava aquela menina de cachos com  vestido de organdi, e me sentia a mais feia, a mais triste de todas as meninas. A minha mãe, tentando me tirar das dobras de sua saia, como faziam as mães, vai brincar com a fulaninha, vai, e eu resistindo até começar a chorar e urinar. A menina olhava espantada para os meus pés dentro da poça se espalhando pelo assoalho. Tive vontade de arrancar os olhos dela, mas estranhamente calma, eu sentia o calor da urina no meu corpo.

-Fulaninha nunca faz xixi na roupa. – Disse pedagogicamente a outra mãe e eu sapateei sobre a poça de urina, sem uma palavra, olhando para a mãe da fulaninha, com ódio e orgulho. Era orgulho, sim. Ferido. Os cachos da menina, como molinhas arrumadas lado a lado, iam e viam. E eram cor de mel. Eu queria aqueles cachos na minha cabeça. Sonhei com eles dias inteiros.

A minha mãe bem que tentou explicar, do jeito que sabia, que era impossível. A menina tinha cabelos naturalmente encaracolados e bastava enrolar entre os dedos as mechas e elas viravam aquelas molinhas brilhantes. O meu maldito cabelo era escorrido e fino, mas eu não desistia. Eu quero cachos! Desesperada e desajeitada a minha mãe tentou de todas as formas, molhou, enrolou, prendeu com grampos, e o negócio despencava. E eu chorava e fazia xixi pernas abaixo. Um dia ela perdeu a paciência, arrematou a história com um não tem jeito, conforme-se, ainda tentei eu mesma, chorei esperneei, achei que tinha conseguido, não desistia, não desistia. Parei de tentar, mas a memória dos cachos que eu não tinha permaneceu. Minha última cartada foi parar de fazer xixi pernas abaixo. Quem sabe, como prêmio, eu acordasse um dia de manhã, com a cabeça cheia de cachos?

As vezes, penso, que não mudei muito desde os meus 5 anos. Não que ainda faça xixi na roupa, mas não desisto, não desisto. E fico com a memória do que não consegui, me perseguindo. E não me dou  por  vencida. Muitas vezes sapateio sobre uma invisível poça de urina no assoalho.

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