terça-feira, setembro 20, 2005

AS DUAS DE MIM

Envelheci. Definitivamente. Não existe mais solução. Não me reconheço. Tive intimidade com todas as faces da minha história. Esta é estranha como uma velha que mora ao lado. Me espanto com o que eu não posso mais fazer. Me apavora tudo o que eu não devo. Assisto a vida, a minha própria vida e a dos que estão mais ou menos perto como quem assiste a uma peça da qual não faz parte. Não da platéia, mas da coxia. Sem voz, sem acertos ou desacertos. Sem achar bom nem mau. Apenas e indiscutivelmente sem paciência. Como se tudo fosse mais ou menos igual, menos eu que não me reconheço. Por fora, sou só um rascunho que não foi passado a limpo. Por dentro, bem dentro da minha cabeça, a que foi e a que não é mais se misturam odiosamente. Quero andar de bicicleta na rua ao lado e a outra me puxa para debaixo dos lençóis. Quero sentar no meio fio sem compromisso e a outra me passa uma descompostura. Quero pintar os cabelos de vermelho e a outra ri de mim no espelho. Eu não sei ser velha, meu Deus, como é difícil ser velha! Se bastasse, eu deixaria meus cabelos perderem a cor devagarinho, me sentaria numa cadeira confortável e leria Machado com prazer pelo resto da vida. Não basta. Enquanto a velha Lê Machado, a outra de mim que não esquece, olha pela janela, pula o muro e sai pelas ruas com uma flor amarela nos cabelos.

Um comentário:

tereza disse...

puxa, Tê! Reler depois de tantos anos! Contunuo a gostar demais> É uma pena você ter apagado os comentários.beijo. Tereza de Minas