terça-feira, março 23, 2004


CURSO ANTI-FRESCURA

Meu irmão não gosta de ratos. Não sei o que pode ter acontecido entre ele e os ratos, mas ele ODEIA ratos. Já perguntei, já sugeri que perdoasse seja lá o que for, já fiz ameaças de condenação eterna, não tem jeito. Ele pensa num rato, seus olhos brilham, suas bochechas tremem e sai em busca do seu último aparato para assassinar seus pequenos inimigos.
-O que é isso? – Perguntei diante de uma lata de ervilha com uma coisa esquisita dentro.
-Açúcar com cimento.
-Uê! Pensei que cimento fosse usado com areia e cascalho...vai tapar algum buraco?
-Vou. O buraco do estômago dos ratos!
Dei um passo atrás, arregalei os olhos, fiz um drama.
-Paulo!!! Isso é cruel demais! Vai enfiar açúcar com cimento na boca dos ratos? E de que jeito?
Levem em consideração que sou loira.
-Não. Vou colocar no lugar que eles costumam passar, eles pensam que é açúcar, comem e algumas horas depois o negócio endurece no estômago deles.
-E...
-E eles estrebucham, é claro.
Pus as duas mãos na cabeça, horrorizada.
- Que coisa pavorosa! Como tem coragem? Você deve ser a reencarnação de Hitler! Como pode?Como pode!!
Ele parecia assustado, mas não a ponto de desistir.
-Isso é assassinato em primeiro grau.- continuei, histérica – como pode??? Como pode??
-É só um rato. Todo mundo mata ratos. É só uma forma limpa de fazer a coisa.
- Usa uma ratoeira como todo mundo!
- Que diferença faz?

Não sei. Pensando bem, não sei. Mas que faz, faz!

*****

Depois disso fiquei pensando se não serei muito... muito...delicada. Tá, pode dizer fresca. Sou, concluí. E se quiser viver bem neste mundo, terei que deixar de ser. Este mundo é essencialmente cruel. Viver é de uma crueldade miserável. Não? então pense no que você faz diariamente para continuar vivo. Você come. E come carne! Não? Então tá. Você come alface. Alface é vegetal. Vegetal tem sensibilidade. Imagina o que sente uma folha de alface quando você, primeiro retalha e depois esmaga, tritura e engole. É menos trágico do que comer um naco do lombo de uma vaquinha de olhos mornos? Porque? Só porque a alface não tem olhos de mormaço?

Diante disso decidi: tenho que treinar uma certa crueldade, uma monumental frieza para continuar vivendo sem esta incômoda dor. Aí pensei nos torturadores. Li, não me lembro bem onde, que os sujeitos eram treinados, durante a ditadura, os de profissão torturador. E pelo depoimento de um deles, a primeira vez que assistiu a uma sessão de tortura o indivíduo vomitou, ficou arrasado, deprimido, acabado. Aos poucos foi se acostumando, já não tinha náuseas e com o tempo passou a sentir prazer! Portanto, com um pouco de treino, qualquer um pode se tornar um torturador. Se não chegar a tanto, terei, pelo menos, deixado de ser fresca.

Posso começar por formigas, essas formiguinhas loiras que passeiam pelo meu teclado. Esmago uma por dia. Depois, os ratos...
Com o tempo vou assistir as carnificinas de qualquer ato terrorista, ocidental ou oriental, como se visse os efeitos especiais de um filme de terror.

Primeiro vou assistir “A Paixão de Cristo� segundo Mel Gibson. Se agüentar, terei passado no vestibular. Se não, volto às formigas.

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