Histórias para Boi Dormir

A INVENÇÃO DA MÃE

Conta uma outra estória, mais antiga ainda, pré-histórica mesmo, que naquela época remota, não existia mãe, só pai. Até que o pai, exausto de levar os pestinhas à escola, conferir dever de casa, lavar fraldas, separar brigas, resolveu arranjar alguém que, na sua ausência, resolvesse todos esses pequenos e cotidianos problemas. “Tem que ser uma mulher”, pensou sabiamente – “não sei porque ninguém nunca pensou nisto antes. As mulheres têm cara de mãe”. Não foi difícil encontrar uma que caísse na sua conversa mole, que desde aquele tempo o homem já era expert em cantadas e as mulheres, doidas para cair nelas.
-Quer ser a mãe dos meus filhos?- Perguntou docemente.
-Mas eu nem te conheço direito... – surpreendeu-se ela.
-Isso a gente resolve depois. Eu só preciso de uma mãe para os meus filhos.
- O que é ser mãe? – perguntou a já candidata, porque atrás da proposta, vinha um homem, e desde aquele tempo, mulher gosta de homem.
O sujeito deixou pra o final as desvantagens do papel e procurou extrair da tarefa de ser mãe, todas as delícias.
- E, além disso tudo, ainda vai ter um dia no ano em que você vai ganhar presentes e reconhecimento dos filhos e dos pais dos filhos, como se fosse uma rainha !- Mal sabia ela que os presentes seriam engenhocas inventadas no futuro para facilitar a trabalheira que dava ser mãe, e a coroa de rainha podia ser muito bem um lenço eterno na cabeça, para que os filhos não achassem fios de cabelo na comida.
E para cativá-la mais ainda, a estimulante proposta foi acompanhada de frases excitantes como:
-"você nem precisa trabalhar. Ficará cuidando de mim e dos rebentos!"
- E o salário? Quanto? – Perguntou o projeto de mãe, e o homem estrebuchou, como ainda hoje estrebucham todos os homens quando a mãe fala em dinheiro;
- SA-LÁ-RIO?! Que espécie de mãe é você?! Tá pensando que sou o Nabucodonosor? Que acho dinheiro no capim?
A mulher ficou vermelha de vergonha. Tinha acabado de aprender que mãe não cobra nada, muito menos salário. Mesmo assim, ainda tentou argumentar:
- Mas...o senhor pode me dar mais uma vantagem? Só mais uma...
O homem pensou rapidamente, e arriscou, meio em dúvida:
-Mãe só tem uma!
- Isso quer dizer que , pais, existem muitos?
- Sim, quer dizer, não, isto é, não sei. Mãe não deve fazer perguntas.
O esperto pai já criava, no momento da contratação, um estatuto das mães. Terminou o discurso com:
-Ser mãe é padecer no paraíso!
A futura mãe achou bonita a frase embora não tivesse entendido direito, aceitou a proposta de muito bom grado. O pai viveu feliz para sempre, e a mãe, nunca teve tempo de questionar se era feliz ou não. Além do mais, fazia parte do estatuto que, mãe era necessariamente feliz, tivesse os filhos que tivesse. E ai da mãe que ousasse infringir quaisquer das regras! Era alijada do rol das santas com o abjeto e tenebroso slogan de “mãe desnaturada” o que quer dizer mais ou menos “mãe que tem algum outro objetivo na vida que não a felicidade dos filhos”. No início eram queimadas em fogueiras como as bruxas. Com o passar do tempo, criou-se novos tipos de pena e tortura para a mãe desnaturada, não tão drásticos, mas igualmente cruéis.


MORAL DA ESTÓRIA: Ser mãe é padecer no paraíso, mesmo que você não entenda o que isto quer dizer.
( Por Candinês das Dores Soares- ex combatente do SOLAVANCO (Sociedade Ortográfica de Laboratório Avançado sobre as Coisas e suas Origens)e ex - mulher de J. Stapafúrdio Soares, a quem contesta, renega e abomina.)

A INVENÇÃO DO CORTADOR DE UNHAS

Você pode pensar que o cortador de unhas já existia muito antes que seu avô tivesse nascido e que não é da sua conta quem o tenha inventado. Isto é porque você nunca imaginou o mundo sem um cortador de unhas.
Contam que quem inventou o cortador de unhas foi um habitante da Ilha de Mu- Mu -Nha, na parte oriental do planeta, muito embora eu cá, com meus botões, fique a imaginar como é que alguém pode determinar onde fica o oriente ou o ocidente, sendo a terra redonda e como se sabe...bem, isto são outros quinhentos. Sabe-se que o tal senhor era oriental porque tinha uns olhos enviesados e tomava chá ao invés de café. Alias, não suportava café. Tinha, ao fundo da casa, uma plantação de ervas, pelo que foi detido inúmeras vezes, até provar que erva nem sempre quer dizer erva. Abolindo o devaneio em torno do inventor, é preciso esclarecer que o tal era tido como um profundo conhecedor da função que tanta gente anseia por aprender: não fazer nada. Passava o dia inteiro coçando saco. Era bom, e ele não se queixava. Sofria algumas escoriações, dado que suas unhas eram grandes como as do Zé do Caixão. Aliás, unhas grandes e pontudas eram muito comuns antes da invenção do cortador de unhas, e até tinham alguma serventia. Eram muito boas para tirar cera dos ouvidos ( muito usadas, as dos dedos mindinhos) caca do nariz, e cortar pastéis. Muita gente acha que isto era feito simultaneamente. Mas Mu- Mu- Nha não estava muito satisfeito com as suas unhas pelo que já foi dito aí em cima e tentava se livrar desses apêndices incômodos com várias técnicas que logo se mostraram ineficientes. Roeu-as, durante algum tempo, o que lhe rendeu um apêndice supurado. Raspava-as nas pedras e, se era fato que conseguia deixa-las mais curtas, as escoriações aumentavam, porque ficavam farpas esquisitas e cortantes como navalha. Quase perdeu o emprego por atentado ao órgão superior. Desanimado, Mu-Mu-Nha deitou- se debaixo de uma macieira para recuperar a serenidade e adormeceu. Por um desses acasos que só o destino explica, uma maçã caiu bem na testa do infeliz. Uma maçã tem o mundo inteiro para cair em cima, mas as vezes escolhe a cabeça de um Newton ou de um Mu-Mu-Nha, e muda a história da humanidade. Aí o sujeito teve um clic. Melhor dizendo, teve um trim!
- Eureka! Eureka! - Gritava alucinado e feliz. Se você está pensando que Mu-Mu-Nha inventou a máquina de lavar, enganou-se redondamente. Está provado cientificamente que inventou o cortador de unhas e não se discute. Passou noites e dias entre desenhos e experimentos até desenvolver o que chamou de TRIM. Como não podia deixar de ser, Mu-Mu-Nha teve o seu fabuloso invento execrado pela sociedade. Disseram que ele tinha parte com o capeta ( que nesta época era muito respeitado e temido), que era um bruxo, e houve um grupo até que incentivou um movimento para chamuscar Mu-Mu-Nha na fogueira santa, se rapidamente ele não desinventasse o Trim. Era o Grupo das Santas Peruas de Unhas Rubras. Mu-Mu-Nha fugiu para o egito com o seu santo invento, onde viveu feliz e de unhas curtas, coçando saco, até morrer, pobre e desconhecido, como convém a qualquer inventor.

A NAU DOS INSENSATOS


500 anos atrás, um rei mandou que uma nau carregada com um monte de prisioneiros, expatriados da terra natal por crimes mais que hediondos, fosse aportar em qualquer terra que não fosse a dele. Os malfeitores desembarcaram numa praia ensolarada e foram desconfiadamente recebidos por um bando de selvagens. Acostumados que estavam a enfrentar os mais variados tipos de pessoas, os degradados nem se amofinaram. Trataram logo de negociar com os selvagens e, logicamente, de passa-los para trás, o que não foi difícil dada a inocência dos habitantes da terra e a experiência dos negociadores. Foi muito fácil manipular os homens vermelhos.E as mulheres vermelhas também, desde que bem amarradas às arvores. Foram esses homens, que a própria pátria queria ver bem longe, que colonizaram o novo reino. Com o tempo, escasseando a mão de obra selvagem ( os índios se negavam a trabalhar) os novos habitantes e donos do reino iniciaram uma manobra de comercio com a África e assim começou o uso indiscriminado de africanos como mão de obra mais que barata: de graça. Os brancos, esgotadas as índias, tinham agora lindas e frescas negras com quem mantinham estreito relacionamento, mesmo com descontentamento das senhoras deles, que arrancavam os olhos das negras e às vezes, os seios. Mesmo assim ou por isso mesmo, o reino prosperou o bastante para alimentar o distante descobridor. Aos poucos a nova raça foi sendo criada, com o concurso de expatriados brancos da pior estirpe, índias de pele vermelha e alma livre e negras e negros belos, fortes e tristes. Quinhentos anos depois foi necessário criar uma lei que impedisse a discriminação racial, porque ainda há gente nesse reino que se acha superior aos negros e índios. Se há alguma raça inferior nesta história, conta a própria história que não são os negros ou os índios. Se eu fosse branco, e eu não sou porque sou brasileiro e descendo necessariamente das três raças( o que me alivia, em dois terços, da vergonha), não me ufanaria em afirmar minha descendência.


Contos de Fábulas: A Raposa e as Uvas (outra história)


No tempo em que os animais falavam havia uma raposa muito esperta – como todas as raposas, aliás – que adorava uvas. Hoje em dia as raposas preferem galinhas e vivem surrupiando galinheiros e por isto mesmo estão ameaçadas de extinção, já que os donos das galinhas não se conformam em alimentar raposas. Bem, mas antes, muito antes, raposas não podiam ver uvas sem babarem. Era o prato preferido delas, desde que estivessem maduras. Pois bem, a raposa em questão, que tinha o estranho nome de Raposa Tavares da Cunha, pois já que os animais falavam era necessário que tivessem um nome, do contrário como é que elas começariam uma conversa?
-Prazer, Tavares. Raposa Tavares da Cunha. – Depois é que vinha aquela lenga-lenga de “parece que te conheço de algum lugar”, etc, etc, como se usa ainda hoje, seja raposa ou qualquer outro bicho. Voltando a vaca fria, estava Raposa Tavares fazendo a sua caminhada matinal, numa rodovia pouco movimentada da floresta quando parou extasiada. Numa banca à beira da estrada estava um macaco muito bem apessoado, vendendo uvas. Tão maduras, tão suculentas que a Raposa Tavares teve que engolir a saliva três vezes antes de perguntar:
- How much?... ( Traduzindo: quanto que custa?)Porque naquele tempo a língua oficial dos camelôs já era o inglês. Quem não falava inglês não vendia nem comprava nada.
- 10 dólares o cacho.- Respondeu o macaco, mesmo porque não falava nada de inglês mas sabia muito bem reconhecer a expressão de desvario de um consumidor em potencial, pois já vendera muita bugiganga do Paraguai na Praça da Sé.
Raposo Tavares vasculhou os bolsos do colete. Achou um ticket refeição, um vale transporte e um botão que tinha caído do colete e que guardara por precaução. Vasculhou o outro bolso: um chicletes sugar free, um papel amarrotado com um numero de telefone que nem sabia mais de quem, uma nota de um real.
- Aceita ticket?
O macaco esticou o pescoço tentando identificar o nome do ticket.
- Esse aí? Nem morto!
- Vale transporte?
- Tenho um Honda importado, série especial. Que vou fazer com isto?
A raposa babava. O perfume das uvas entrava-lhe narinas a dentro enfraquecendo seu já pouco raciocínio, que, já naquele tempo, esperteza era uma coisa e inteligência outra.
- Aceita cartão de crédito? Cheque pré datado?
Os olhinhos do macaco cintilaram, mas conteve-se, como todo bom vendedor.
- Aceito....- murmurou com cara de profundo desgosto.
- Não tenho... – quase chorou a raposa.
O macaco arregalou os olhos:-
- Nada?! Nem um Bisa? Um Maister...nada??
- Posso assinar uma promissória...
O macaco lançou um olhar de desprezo para a infeliz . _”Essa aí, com toda essa pose não passa de uma miserável. Nem emergente é! Tsc, tsc!
- Tá pensando que sou algum burro? – Berrou indignado.
Desalentada, sem mais nenhum rasgo de dignidade, a raposa murmurou:
- Posso provar?...
- Um dólar.
- Um dólar para provar?!
-...e um vale transporte.
- Mas você não disse que não aceitava vales?
-Não sou tão rígido...
A raposa tirou do bolso a nota de um real, procurou o vale no outro. O macaco olhou com considerável arrogância para a nota amarfanhada.
-Isto não é dólar!...
- É a mesma coisa. Vale até mais.- Conjeturou a raposa.
- Ah é! Macaqueou o macaco que era muito dado a macaquices. Não que acreditasse muito naquela história de equivalência das moedas, mas na época, todo mundo acreditava e não quis fazer papel de bobo. Com extremada delicadeza, tirou duas uvas do cacho luzidio e estendeu-as à raposa que sofregamente as enfiou na boca. O macaco embolsara rapidamente a nota e o vale, antes que a consumidora cuspisse as uvas numa careta horrorosa..
- Mas as uvas estão verdes! – Gritou num esgar.
. A senhora não perguntou se estavam maduras.
- Quero meu dinheiro de volta!
- Então devolve as uvas!
A raposa olhou o macaco com uma expressão de impotência:
- Vou me queixar ao PROBICOM ( Serviço de Proteção ao Bobo e Inocente Consumidor)
- Não tem provas. Não pediu nota fiscal! – Olhou em volta – Nem testemunha tem! – Zombou o macaco.
A raposa afastou-se resmungando:
- Dizem que o PROBICOM funciona...
Ficou três dias e três noites ligando para o PROBICOM, mas o telefone só dava ocupado. Foi pessoalmente. Está na fila até hoje, velha, persistente e impertinente raposa, é o que diz o jovem macaco que continua vendendo uvas verdes para quem não pergunta antes se estão maduras e doces.
MORAL DA ESTÓRIA: exija sempre a nota fiscal! As uvas podem estar verdes e sem ela nem o PROBICOM dá jeito.


AS DONZELAS E OS VARÕES ASSASSINADOS




Contam que, no tempo em que os animais falavam ( este preâmbulo é necessário para caracterizar uma fábula) havia um reino muito afamado por suas belas donzelas, cobiçadas pelos varões de todos os reinos. É verdade que ninguém sabia ao certo como eram as tais donzelas, já que o reino era bem protegido por eunucos de 2 metros de altura e faixas pretas em Karatê, Kung-fu e outras artes marciais. Havia até quem afirmasse que os tais eunucos tinham sido importados de um reino longínquo e obscuro do 3º mundo ( senão do 5º) e pertenciam a uma entidade secreta denominada DOI-CODI, experts em torturas e malvadezas sem par. Daí a curiosidade dos varões dos outros reinos, que nem ousavam chegar aos portões tão bem protegidos e babavam pelas donzelas misteriosas. Mas ( é preciso um “mas” para perturbar o cotidiano) o reino das belas donzelas não vivia feliz. Porque? Porque naquele reino não havia varões suficientes para tantas donzelas ávidas de um casamento ou coisa que o valha. E assim viviam elas tristes e infelizes, tricotando pulôveres para os futuros maridos e para passar o tempo que por sinal passava bem devagar para quem não tinha um chamego ( esta é uma palavra muito nova para uma fábula mas não consigo achar um sinônimo erudito). Já tinham coberto vales e montanhas de pulôveres e começavam a entulhar o suntuoso palácio real com cachecóis, suéteres e meias de lã. O Rei, que dizem, era um bondoso homem cheio de ternas intenções, pesaroso por ver os seus jardins, cascatas e salões invadidos por peças de lã ( se bem que tecidas com capricho não eram lá de grande qualidade), não viu outra solução: tinha que abrir as portas do reino para varões de outras terras e amainar a fúria tecedora de suas donzelas ( para não dizer outra coisa). Até, talvez, quem sabe, entrassem no reino lãs de melhor qualidade, se a primeira intenção não desse certo. Assim pensou e assim o fez, porque pensamento de rei é lei. Deportou os seguranças para o reino do 3º mundo ( senão do 5º), ao que o reino todo se rejubilou já que os tais guarda-roupas-quatro-portas-com maleiro, comiam mais que frieira e estavam causando no reino uma escassez de alimentos quase tão séria quanto a escassez de varões. Está também confirmado que pertenciam mesmo à tal entidade secreta porque, quando o navio ancorou no Porto de Santos, havia uma comissão do exército para recebê-los com honras de heróis. Depois de espalhar editais convocando todos os varões livres do mundo, o Rei abriu os portões do reino.
Há de se imaginar a turba alucinada em busca das donzelas que, enlouquecidas, abatiam um por um dos varões, às vezes até usando as próprias agulhas de tricô. Foi uma festança que, segundo dizem, durou três semanas, e dos varões não sobraram nem os ossos, que as famigeradas donzelas eram, além de virgens, canibais.


MORAL DA HISTÓRIA Não Se pode confiar em donzelas, ainda mais virgens de muito tempo. Ou: quando a esmola é demais o santo desconfia ou é comido.
( Por J. Stapafúrdio Soares, Presidente e único membro da ABEI – Associação Brasileira de Estórias Infundadas)

O MITO DE SÍSIFO (Uma outra história)
Antigamente, os homens tinham um deus para cada coisa ou situação. Assim, o chefe deles que era Zeus, resolvera a questão de se ver assoberbado por pedidos de todas as espécies, criando departamentos próprios para cada caso, o que lhe deixava tempo de sobra para seu próprio lazer. É preciso lembrar que o lazer preferido de Zeus era paquerar as jovens deusas que chefiavam estes departamentos. Foi o início do chamado assédio sexual. A deusa que recusasse um beijinho a Zeus, era severamente punida com a demissão do cargo ou até, pasmem, podia ser transformada numa nuvem ou num jumento, o que, convenhamos, era um castigo muito duro, já que elas passavam a gastar duas a tres lâminas para depilar as axilas, que axilas de jumentos são muito cabeludas.. Muitas cediam, para não perder o emprego ou mesmo porque se apaixonavam por Zeus, que além de deus, era muito bonitão. Daí surgiram filhos espúrios e Zeus se viu obrigado a inventar novos cargos que fossem ocupados pelos pimpolhos, que filhos de Zeus não podiam ficar desempregados, ou com um empreguinho qualquer, ganhando um miserável salário mínimo. Aí teve início o cabide de emprego ou........................que dura até hoje. Havia deus para tudo. Deus da semeadura e deus da colheita. Deus do vinho e deus da ressaca. Deus do inquilino e deus de proprietário. Deus de devedor e deus do credor, e olhe que nem havia sido inventado o cartão de crédito ou o cheque especial.
Entre a raça de deuses e mortais comuns, havia uma terceira categoria que não se enquadrava nem em uma nem em outra: eram os semideuses. Tinham alguns privilégios divinos e algumas condições humanas, bastante desagradáveis, como por exemplo: não eram imortais. Parece que essa categoria ainda existe, e você vai ter certeza disto se ler os jornais. Bem, mas isso não vem ao caso. Vem ao caso é que nesta categoria estava um tal de Sísifo que, sendo um semideus e não tendo o privilégio da eternidade, num dia qualquer se viu morto. Mas Sísifo não se conformava e quis porque quis ficar na terra. Veio a comitiva para levá-lo à terra dos mortos e ele se rebelou.
-Não vou, não vou e não vou! - Bateu o pé.
- Ah, não?- Os deuses ficaram furiosos.- Quer a eternidade, seu deusinho insignificante? Pois vai ter!
Como pretendiam castigar severamente o morto rebelde, fizeram uma reunião vip para que se pudesse escolher o pior e mais terrível encargo. Depois de alguns dias e muitas sugestões, levaram ao malfadado Sísifo duas opções:
1º castigo: passar toda a eternidade levando nos ombros uma pesada pedra até o cume de uma montanha.
- Só isso? - Rejubilou-se o semideus. - É mole!
-Apenas mais um detalhe, meu caro Sísifo - disse o deus porta voz.- Assim que você chegar ao cume, a pedra vai rolar morro abaixo. Você vai descer, por a dita cuja nos ombros e subir de novo a montanha.
- Quantas vezes?
- Por toda a eternidade. É meio cansativo e monótono, mas se tiver bom senso acho que vai escolher este castigo, porque o outro...
- Quero saber qual é o outro castigo! - Disse Sísifo esperançoso.
- Acho melhor não...
- Fala logo! - Gritou o rebelde.
- Bem, já que insiste... você vai ser extraditado para um país do terceiro mundo, vai ficar na fila do Serviço público de saúde, e arrumar uma consulta para a sua tia Porfíria que sofre de artrite reumatóide.
-Por quanto tempo? - perguntou Sísifo desconfiado.
-Tempo indeterminado. Até conseguir a ficha.
Conta a história que Sísifo optou pelo segundo castigo que tinha a vantagem de não ser eterno, mas o que passou na fila do tal Serviço deu-lhe uma visão tão nítida do inferno que, indignado, entrou com um recurso no tribunal dos deuses e conseguiu sua transferência para a montanha. Está até hoje subindo e descendo o monte, feliz da vida, por ter escapado do 2º castigo. Com uma vantagem: na montanha ele tem um convênio médico que cobre até a burcite e a depressão que vez ou outra se lhe acometem, por ter um trabalho tão duro e sem sentido. A outra vantagem é que ele tem um emprego eterno.
Dizem alguns que somos descendentes de Sísifo, no que acredito. Só que nosso castigo é dobrado e nosso emprego, se algum de vocês o tem, não é eterno. Muito pelo contrário.

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