terça-feira, junho 22, 2004

BOOTCASTLE - COMPRA E VENDA

Duquesa Travessa

Vou poupa-los das agruras vividas nos três dias que passamos em MioVerde. É coisa de ficção e não quero passar por mentirosa. Lady Rabnit e eu conseguimos fugir na madrugada do terceiro dia, já caídas no esquecimento das primas que, se deram por nossa ausência, não questionaram. Não tivemos mais notícias do estranho reino por muito tempo. Alguns boatos afirmam que a luta pela sucessão continua. O que não esperávamos era encontrar o castelo em festa ou quase. Sir Rudolf, durante a nossa ausência, tinha decidido vender Bootcastle. Havia uma placa de vende-se na frente da herdade o que, naturalmente, me deixou furiosa. E, decidida a arrancar a placa e os olhos do biltre entrei porta a dentro, aos berros. Uma jovem e elegante senhora, com um lindo chapéu cor de palha com um ninho de pintassilgos no alto, com uns ovinhos quase arrebentando, nos sorria seu melhor e mais fantástico sorriso. Era linda a dama e a sua presença me fez parar, com os olhos arregalados. Quem era?

-Quem é? –Sussurrei para lady Rabnit.
-Deve ser uma compradora, suponho. Que lindo chapéu! – Sir Rudolf, extremamente simpático, veio ao nosso encontro.
-Miladies! Quanto prazer em revê-las! Achei que não mais retornassem à Bootcastle...
-E por isso pôs o castelo à venda, biltre?
Rabnit me deu uma cotovelada discreta, chamando a atenção para a dama posta em sossego sobre a bergere onde eu costumava confabular com meus botões.
Virando-se para a carinha risonha e meiga, o vil desculpou-se.
-Milady, esta é Hildegard Von Trapp e sua amiga lady Rabnit. Se me der licença, deixarei convosco a delicada Rabnit para confabular com Hildegard...a sós.

E saiu me arrastando pelo cotovelo até a biblioteca. Soltei-me num arranco depois de certificar-me de que a porta estava fechada.
-Que diabo é isso? O que pensa que está fazendo, seu...seu!
-Milady, é um negócio da China! A senhora me agradecerá por providencial ...
-Mas eu não quero vender o castelo! Onde vou morar?
-Senhora! Existe alguém neste reino que possa dar dez milhões de libras por Bootcastle? E no estado lamentável em que se encontra?
-Claro que não. E por isso mesmo...
-Mas senhora, a condessa Travessa vai dar dez milhões de libras por Bootcastle!
Uma luz de infantil felicidade deve ter acendido nos meus olhos porque eu sequer conseguia ver Rudolf, o vil. Não questionei. Não é de bom tom questionar qualquer coisa na base de dez milhões de libras.
-Quando? Em cash? De quantas vezes?
- Toma lá da cá.

Quase abracei Sir Rudolf num impulso, coisa que teria me deixado posteriormente cheia de indignação e arrependimento. Faltou pouco. Era o cúmulo da felicidade. Rodopiei sobre os saltos, bem a tempo de me safar dos seus braços estendidos. Os dentes dele pareciam querer saltar da boca, arreganhados, num riso...milionário, eu diria.
-Porque essa felicidade toda? O castelo é meu. Que eu saiba já homologamos o divorcio.
Ele estufou o peito e colocou o dedão numa argola do cinto, enquanto com a outra mão, enrolava a ponta do bigode ridículo.
-Eu sou o vendedor. E cobro 10%.
-Está louco! Nunca! – Fiz os cálculos mentalmente, rapidamente. – 5% e não se fala mais nisso.
-sete.
-Fechado.

Confesso que não sou boa negociante. Nunca fui. Falta paciência. Quando voltamos à sala, Lady Rabnit ria a bandeiras desfraldadas das gracinhas da bela Condessa Travessa. Um ovinho do chapéu tinha estourado e uma cabecinha de pintassilgo apontava, faceira. Ela nem deu conta. Estava muito entretida e as duas pareciam amigas de longa data. Antes que dessem por minha presença, voltei para a biblioteca arrastando sir Rudolf.
-O que ela vai fazer de Bootcastle?
-Uma arca.
-Uma o quê?
-Uma arca, um zôo, um lugar para viver junto com todos os seus animais.
Aquilo me parecia de uma sandice sem igual.
-Então ela não tem marido. Maridos não gostam de animais. Veja você. Assassinou Lancelot, meu pobre Lancelot.
-Não fui eu. Foi Kon Kid Abo, a senhora sabe. E ela tem marido sim. Ele aprova.
-Deus meu! Que mulher feliz! E ainda por cima, rica!

Acho que eu começava a arroxear de inveja e antes que este sentimento pestilento me corroesse a alma, dei a volta por cima, alegremente, pensando nos dez milhões de libras. Posteriormente fiquei sabendo que a Condessa Travessa chegara de Paris, onde morava – daí a sua natural elegância – e estava hospedada no castelo Valente. Tinha pressa. Morria de saudades dos seus bichos, daqueles que ela teria, porque nunca na vida tinha visto um pato de perto até então. E não tinha medo de cobras, a peste. Até me disse que colocaria o meu nome numa delas, em homenagem á minha candura. Fiquei roxa de raiva mas disfarcei. Ainda não tínhamos concluído o negócio. Foi aí que apareceu uma segunda compradora, a viscondessa de Cota Merengue –. Começavam as minhas atribulações. ( continua depois)

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