segunda-feira, abril 26, 2004

POIS É!...

Deve haver alguma falha séria em minhas conexões neuronais. Tá, eu sei que vocês já viram vestígios disto mais de uma vez aqui, mas agora a coisa é séria. Só depois que a Bia disse que pelo que ela tinha entendido era para postar a frase inteira -aquela brincadeira de abrir o livro na página 23, etc... - é que deu o clique. Ué! Não é que é mesmo? Eu entendi que era para postar o que estava na linha 23. Porquê? E eu sei lá? Aí me veio à memória um fato que me aconteceu quando eu tinha sete anos de idade e que me deixa vermelha até hoje.

Eu estava fantasiada de anjo, naquelas festas de maio, no alto de um altar, com uma rosa nas mãos postas, como convêm a um anjo. A Catedral cheia, inclusive cheia do olhar orgulhoso da minha avó, na primeira fila. Do alto parecia que o mundo inteiro estava com os olhos pregados em mim , ainda que houvesse duas fileiras de anjos e o foco principal deveria ser a Nossa Senhora no meio para ser coroada. Durante a coroação, os anjos menos graduados, entre eles eu, deveriam desfolhar as rosas, lentamente, sobre o altar, fazendo cair uma chuva delicada de pétalas.

Enquanto eu me concentrava neste trabalho, a minha avó fazia gestos desesperados para mim e eu não entendia nada. Achei que era para cantar mais alto e me esgoelei o quanto pude, mas ela continuava a fazer gestos com as mãos e agora já estava de pé, desesperada. A música acabou e os anjos começaram a descer a escadinha. Eu não me movia, e os anjos ficaram entalados na escada atrás de mim , me cutucando para que eu desobstruísse o caminho.
-Ainda não acabei. – Falei baixinho, enquanto a minha avó abria caminho para me puxar pela mão. Quase me arrastou enquanto eu ainda atirava a última pétala da rosa para a santa.

-Porque você não fez como as outras meninas? Não era para jogar as pétalas uma a uma! Era para jogar len-ta-men-te, mas não uma a uma!

Foi horrível. Só não chorei, porque desde esta época eu não chorava em público. Nunca esqueci o vexame. Fiquei muito tempo tentando entender porque uma coisa tão simples – afinal todos os anjos entenderam o que seria lentamente – me soou completamente diferente. Devo ter ouvido a palavra ‘retardada’ porque ela ficou me martelando a cabeça até hoje.

E isso aconteceu ao longo da minha vida. Vez ou outra me dou de cara com aquele anjo despetalando uma rosa, certíssimo de que estava fazendo o lógico. Como com a frase da linha 23...

Upideite – pelo menos eu posso consertar. Com a rosa não teve jeito. A frase é: ...“ alojado num prédio muito grande, formado por fiacres, automóveis, ônibus, etc., em movimento constante, passando muito rápido um pelo outro, um em cima do outro, um embaixo do outro, e só se pensava e falava em tarifas, baldeações, conexões, gorgetas, direction Pereire, dinheiro falsificado, etc."

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