MEU PRIMEIRO CARNAVAL
A minha avó gostava de carnaval. Pelo menos me fantasiava todos os anos e, embora jamais freqüentássemos algum clube, ela me exibia durante os três dias. Sempre dava um jeito. A primeira vez eu deveria ter uns quatro anos e virei anão da Branca de Neve. Talvez pelo meu tamanho, não sei. Aos 12 ela caprichosamente me vestiu de arlequim e pela primeira vez me arrastou – é bem o termo – para a matinée do Automóvel Clube. Era tudo que ela sonhava. Me colocar entre as menininhas e menininhos da alta roda da cidadezinha onde eu nasci.
RidÃcula e com aquele chapéu que teimava em não ficar na cabeça, empurrada pelo queixo erguido da minha avó, eu tentava acompanhar a gritaria e a folia na maior falta de graça. Até me aventurei a segurar na cintura de uma menina e acompanhar o trenzinho. Foi aà que vi o olhar de um menino maior do que eu me perseguindo. A princÃpio achei que era por causa do chapéu, cheio de guizos, e da roupa preta com aqueles losangos amarelos, vermelhos, sei lá... não me lembro bem. E era meu vizinho, o garoto. Nunca mais ia ter coragem de passar na frente da venda do seu... seu... não me lembro o nome. Mais um motivo para meu analista futuro. Ele e os outros ficavam sentadas nos sacos de batatas, na porta da venda, esperando as meninas maiores passarem para fazer gracinhas.
Passei o resto da tarde fugindo e procurando os olhos daquele menino feio, tentando entender porque me olhava tanto, até que ele chegou bem perto e pegou a minha mão. A minha avó, matreira, velha de guerra, deu um jeito de nos afastar, com aquele sorriso educado e frio, e me jogar em outro bloco só de meninas. Foi aà que percebi. O menino não estava de olho no meu chapéu. Pela cara da minha avó, eu tinha crescido. O Boca – era esse o nome do menino – tinha descoberto também.
Alguns dias depois eu passei pela porta da venda do seu coisa e ele estava lá com a turma. Primeiro o silêncio, aquele que antecede, depois o murmúrio, os que estavam dentro saÃram e se postaram com aquela atitude adolescente meio agressiva, despojados, lindos, até o Boca parecia bonito. E eu passei, o coração aos saltos, sem olhar, na vitrine dos seus desejos, maldizendo a espinha no queixo, esperando que um buraco se abrisse sob os meus pés para escapar daquele júri. E me lembrando da fantasia de arlequim. Porque a minha avó não me fantasiou de colombina?
Porque ela ainda esperava adiar aquele momento. Foi o que me disse o meu analista do futuro. Em vão. O Boca, com seu olhar de águia – um pouco vesgo talvez – descobriu que eu já passava de menina. Foi ali, na porta da venda do seu... porque é que não me lembro? Que o Boca murmurou aquela frase que me colocaria definitivamente um degrau acima:
- A colombina dos meus sonhos.
Diabos! Ele não sabia a diferença! Graças a Deus!
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Queria mostrar procês... tô pintando.
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