CLOTILDE E MATILDE
- Engraçado... tem um negócio novo aqui na conta de luz...
- Cobrança nova, você quer dizer...
- Sei lá. O nome é meio esquisito: “taxa de encargo emergencial.� O que quer dizer isso?
- Ô, C lô, você se lembra da ameaça do apagão?
- Se me lembro. Nós tomamos banho frio por uns três meses e usamos todas as roupas sem passar. Fizemos uma baita economia.
- Pois é. E todo mundo ficou feliz da vida, o governo até agradeceu.
- Uma gracinha. Fiquei até comovida. Que é que tem isso agora com essa taxa de encargo emergencial?
- Tudo. Nós agora vamos pagar por toda a energia que não usamos naqueles tempos. Não é bonitinho? Pediram pra gente economizar, ameaçaram até, e agora veja só, chegaram a conclusão que tiveram prejuÃzo e quem vai pagar por isto? Quem?
- Uê! Eles, é claro. A culpa foi de quem?
- Sua, Clô! Minha e de todos os brasileiros, essa cambada de “sim, senhor, sim senhor!� Ai, que ódio!
Minhas orelhas começavam a esquentar. Era o aviso. Se tivese parado por ali, não teria perdido uma carreira inteira de do tricô, mas a cara doce da Clotilde é o pavio da minha sandice.
Ela olhou por cima dos óculos, afastou o crochê, analisando, alisou a fileira de pontinhos bege-marfim e perguntou brejeira:
-Tá ficando lindo, não tá, Matilde?
Grunhi alguma coisa e continuei meu discurso até sentir que começava a babar de ódio. Clotilde, que tem a capacidade metafÃsica de enxergar com todos os cantos dos olhos, observou, sem despregar o olho do crochê:
-Limpa o canto da boca...e liga a televisão. Vai começar o horário eleitoral. E acende a luz! Não quero dar mais prejuÃzo pra coitada da Cemig.
Foi assim que entramos em uma nova prestação. Desta vez uma televisão de 29 polegadas. A outra já estava meio sem foco mesmo. Clotilde ainda acha que exagerei.
-Você podia ter quebrado o pinguin da geladeira. Ficava mais barato.
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